28 de julho de 2009

John Cage & Merce Cunningham


Luscious Life


Um astro
Ouve a longa incoerência da palavra e a memória do sangue que se apaga. Ouve a terra taciturna. Tudo é furtivo e as sombras não acolhem. Nenhum jardim de segredos. Nenhuma pátria entre as ervas e a areia. Onde é que nasce a sombra e a claridade?

Eis as vertentes da terra árida e negra. Quem reconhece o equilíbrio das evidências serenas? Estas palavras têm o odor de portas enterradas. Como dominar a desmesura da ausência e a vertigem? Como reunir o obscuro em palavras evidentes?

Escuta, escuta a longa incoerência da terra e da palavra. Ao longo da distância murmura a perfeição monótona de um mar. Num pudor de esquecimento um astro se aveluda em denso azul na corola do silêncio.

António Ramos Rosa



22 de julho de 2009

Rosa & Carmensita




"Trahit sua quemque voluptas. A cada um a sua inclinação: a cada um também o seu objetivo, sua ambição, se quiserem, seu gosto mais secreto e seu mais claro ideal. O meu estava contido na palavra beleza, tão difícil de definir, apesar de todas as evidências dos sentidos e dos olhos. Sentia-me responsável pela beleza do mundo. Queria que as cidades fossem grandiosas, arejadas, banhadas por águas claras, povoadas por seres humanos cujo corpo não tivesse sido deteriorado pelas marcas da miséria ou da servidão, nem pela vaidade de uma riqueza grosseira."
Marguerite Yourcenar






15 de julho de 2009

The Truth / Skyscraper



*

Experimento um grito
Contra o teu silêncio
Experimento um silêncio
Entro e saio
De mãos pálidas nos bolsos

Alexandre O'Neill

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6 de julho de 2009

Je reviens te chercher



um dia acredito que estás à espera de algum silêncio escavado no limite do teu nome e não te digo. na paragem do autocarro finjo-me morta. e espero-te no trajecto onde a travessa é mais memória. um dia a boca há-de rasgar na marginal a travessa da tua rua. a tua marginal travessa. a tua rua marginal. a tua travessa quadrada onde o chuveiro tem peixes azuis com asas de chaminé. um dia acredito que estás à espera da noite para me rasgar nos olhos um incêndio de viagens. um dia como-te.

Maria Quintans "Bandida"



4 de julho de 2009

Con toda Palabra



(...)
Vou morrer assim, arfando
entre o mar fotográfico
e côncavo
e as paredes com as pérolas afundadas. E a lua desencadeia nas grutas
o sangue que se agrava.
(...)

H.H.




1 de julho de 2009

Heart Full Of Wine



Esta es mi copa, ¿ves
brillar la sangre
detrás del filo del cristal?

Esta es mi copa, brindo
por la unidad
del vino,
por la luz desgranada,
por mi destino y por otros
destinos,
por lo que tuve y por lo que no
tuve,
y por la espada de color de sangre
que canta con la copa transparente.

Pablo Neruda