29 de outubro de 2008

Below It



eu?

eu não tenho rios a crescerem-me nos braços.

não tenho açucenas nos dedos.

eu?

tenho um vento a calar-me.

na garganta.



26 de outubro de 2008

Creature Fear



é o teu olhar e o que imagino dele, é solidão e arrependimento,
não são bibliotecas a arder de versos contados porque isso são
bibliotecas a arder de versos contados e não é o poema, não é a
raiz de uma palavra que julgamos conhecer porque só podemos
conhecer o que possuímos e não possuímos nada, não é um
torrão de terra a cantar hinos e a estender muralhas entre
os versos e o mundo, o poema não é a palavra poema
porque a palavra poema é uma palavra, o poema é a
carne salgada por dentro
, é um olhar perdido na noite sobre
os telhados na hora em que todos dormem, é a última
lembrança de um afogado, é um pesadelo, uma angústia, esperança.
o poema não tem estrófes, tem corpo, o poema não tem versos,
tem sangue, o poema não se escreve com letras, escreve-se
com grãos de areia e beijos
, pétalas e momentos, gritos e
incertezas, a letra p não é a primeira letra da palavra poema,
a palavra poema existe para não ser escrita como eu existo
para não ser escrito, para não ser entendido, nem sequer por
mim próprio, ainda que o meu sentido esteja em todos os lugares
onde sou, o poema sou eu, as minhas mãos nos teus cabelos,
o poema é o meu rosto, que não vejo, e que existe porque me
olhas
, o poema é o teu rosto, eu, eu não sei escrever a
palavra poema, eu, eu só sei escrever o seu sentido.

José Luís Peixoto

21 de outubro de 2008

I Know Thats Not Really You



All your hopeless words
They drag you around like the frost
Down to all the bridges and bibles you burned
Down the roads where you were always lost

I know that’s not really you

Your magic power is to disappear
That’s all you left me in your will
It’s the only blessing you don’t fear
The only prayer God is sure to fill

I know that’s not really you

The fistfuls of ashes you use
To Halloween your true face
Remember it - it’s the one you never use
The one where the poison in your heart has no place

I know that’s not really you

The people you know are proud to be cruel
Prisoners to the harm that they always do
They laugh at you
They laugh at you
Until you stop loving

20 de outubro de 2008

Shake That Devil - Antony & the Johnsons



(...)Sonhávamos alto: não será a alma apenas o supremo resultado do corpo, frágil manifestação da dor e do prazer de existir? é, pelo contrário, mais antiga que este corpo modelado À sua imagem, e que, melhor ou pior, lhe serve momentaneamente de instrumento? é possível chamá-la ao interior da carne, restabelecer entre elas esta união estreita, esta combustão a que chamamos vida? se as almas possuem a sua identidade própria, podem elas tocar-se, ir de uma para outra como um bocado de fruto, o gole de vinho que dois amantes passam um ao outro num beijo? (...)

Memórias de Adriano - Marguerite Yourcenar

17 de outubro de 2008

o post que antevê o POST

Emoções ao rubro.
Nervoso miudinho.
Borboletas no estômago.



TUM TUMMM...

TUM TUMMM...

TUM TUMMM...

4 de outubro de 2008

Another World - Antony and the Johnsons



I need another place
Will there be peace
I need another world
This one's nearly gone

I'm gonna miss the birds
Singing all their songs
I'm gonna miss the wind
Been kissing me so long
Another world

The Rip



No silêncio da terra
No silêncio da terra.Onde ser é estar.
A sombra se inclina.
Habito dentro da grande pedra de água e sol.
Respiro sem o saber,respiro a terra.
Um intervalo de suavidade ardente e longa.
Sem adormecer no sono verde.
Afundo-me,sereno,
flor ou folha sobre folha abrindo-se,
respirando-me,flectindo-me
no intervalo aberto.Não sei se principio.
Um rosto se desfaz,um sabor ao fundo
da água ou da terra,
o fogo único consumindo em ar.
Eis o lugar em que o centro se abre
ou a lisa permanência clara,
abandono igual ao puro ombro
em que nada se diz
e no silêncio se une a boca ao espaço.
Pedra harmoniosa
do abrigo simples,
lúcido,unido,silencioso umbigo
do ar.

o teu corpo
renasce
à flor da terra.
Tudo principia.

António Ramos Rosa

That Leaving Feeling



Adeus
Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras
e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!
Era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
E eu acreditava!
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
no tempo em que o teu corpo era um aquário,
no tempo em que os teus olhos
eram peixes verdes.
Hoje são apenas os teus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor...
já não se passa absolutamente nada.

E, no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos nada que dar.
Dentro de ti
Não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.

Eugénio de Andrade

2 de outubro de 2008

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Não haja dúvidas.
Tenho a alma partida.