26 de novembro de 2010

Man under the sea


Se alguma vez, nos salões de um palácio, sobre a erva de uma vala ou na solidão morna do vosso quarto, acordardes de uma embriaguez evanescente ou desaparecida, perguntai ao vento, a vaga, ao pássaro, ao relógio, a tudo o que foge, a tudo o que geme, a tudo o que rola, a tudo o que canta, a tudo o que fala, perguntai-lhes que horas são; e o vento a vaga, a estrela, o pássaro, o relógio, vos responderão: São horas de vos embriagardes! Para não serdes escravos martirizados do tempo, embriagai-vos; embriagai-vos sem cessar! Mas de quê? De vinho, de poesia ou de virtude, à vossa escolha. Mas embriagai-vos! Deslumbrai-vos!

Baudelaire

25 de novembro de 2010

The Wind



e um olhar perdido é tão difícil de encontrar
como o é congregar ventos dispersos pelo mar

Ruy Belo


 


11 de novembro de 2010

Why Won't You Stay





Mas hoje a moça não está para conversas, voltou amuada, vai me aplicar a injecção. O sonífero não tem mais efeito imediato, e já sei que o caminho do sono é como um corredor cheio de pensamentos. Ouço ruídos de gente, de vísceras, um sujeito entubado emite sons rascantes, talvez queira me dizer alguma coisa. O médico plantonista vai entrar apressado, tomar meu pulso, talvez me diga alguma coisa. Um padre chegará para a visita aos enfermos, falará baixinho palavras em latim, mas não deve ser comigo. Sirene na rua, telefone, passos, há sempre uma expectativa que me impede de cair no sono. É a mão que me sustém pelos raros cabelos. Até eu topar na porta de um pensamento oco, que me tragará para as profundezas, onde costumo sonhar em preto-e-branco.

Chico Buarque




9 de novembro de 2010

Up Jumped the Devil



O My O My

What a wretched life
I was born on the day
That my poor mother died

I was cut from her belly
With a stanley knife
My daddy did a jig
With the drunk midwife

Who's that younder all in flames
Dragging behind him a sack of chains
Who's that younder all in flames
Up jumped the Devil and he staked his claim

O poor heart
I was doomed from the start
Doomed to play
The villians part

I was the baddest Johnny
In the apple cart
My blood was blacker
Than the of a dead nun's heart

Who's that milling on the courthouse steps
Nailing my face to the hitching fence
Who's that milling on the courthouse steps

Up jumped the Devil and off he crept

O no O no



4 de novembro de 2010

All That Meat And No Potatoes



PAVANA PARA UMA BURGUESA DEFUNTA


A cabeça de vaca de minha tia mais velha
repousa em guerra lenta no cemitério maior.
Rói-lhe o bicho das contas a fímbria da orelha.
Rói-lhe o rato da raiva as narinas sem cor.

Repousa em paz. Raposa que na toca
fareja a galinhola e o fricassé.
Já não mija mas cheira
já não vive mas ousa
ser a santa que foi ser o estrume que é.

A cabeça de vaca de minha tia refoga
nas lágrimas burguesas da família enlatada
cozinha-lhe a memória um viuvo de toga
descasca-lhe a cebola uma filha frustrada.

A cabeça de vaca de minha tia meneia
o sim-sim o não-não dos outros semivivos
na família a razão de se morrer a meias
é a exalação dos suspiros cativos.

Se não fosse o desgosto se não fosse a gordura
o retrato na sala o buraco no ventre
se não fosse de força tinha feito a escritura
nem sequer houve tempo para o oiro dos dentes.

Minha tia mastiga minha tia castiga
na saleta do inferno as almas dos criados:
- não me limpaste o pó a campa tem urtigas
atrasaste o jantar dos condenados.

A cabeça de vaca de minha tia sem nome
coze no fogo brando do que é passar à história.
Dissolve-se na boca resolve-se na fome
do senhor que a devora em sua santa glória.

Ary dos Santos