4 de abril de 2011

See Line Woman




sim,
eu respiro,
estou direita,
deixa-me passar
— aqui vai uma ilha de pés descalços,
aqui é um espelho caminhando como a voz
por onde entram e saem
imagens cambaleantes,

e tu chamas-te então:
como eu vi o tempo,
era uma maneira cega de haver junquilhos
que giravam até se arrancarem dos terrenos nocturnos

e viverem como crianças ondulantes,
esquecidas do seu texto,
num exílio de espanto e beleza brusca,
de fazer pensar,
súbito,
na morte prometida a todas as coisas

que se aproximam demasiado do nosso amor,
e é então que tu dizes:
há casas desabitadas,
e eu estou nessas casas

 

Herberto Helder

3 comentários:

rosa disse...

Vem das estampas de ouro, o sono encurva-lhe os cabelos,
fica branca de andar encostada à noite,
e respira, respira,

sim respira,
como uma colina tão nua
que os pulmões fossem uma renda de prata atormentada,
ou água cruel aberta

por ti,
tubarão crepitando pelo Índico,
entre geladas barragens de sal em rama,
com uma garra no ventre,
uma síncope,
um mergulho como uma flor

que se não chama negra,
nem cujo nome pode ser dito assim:
aquilo é a paixão,

mas que,
tremendo,
se pode pronunciar como beleza este espaço,
crime esta paisagem,
ou então:
a lua dança

como um vestido bêbedo
— ata lenços de um branco que desfaleça nos dedos,
e atira fora esse ramo,
e aí verás como é que eu me movo:

(...)


Estes dois estão para além do humano.

imo disse...

"O deserto não é ausência.
É o estado anterior à presença, antes de os nómadas o atravessarem, antes de os aventureiros lá se deterem para em seguida tornarem a partir noutra direcçõa. Ele é. Sem precisarmos de lhe delimitar contornos, uma geografia, uma superfície, ele é o deserto. Esse lugar onde nos perdemos, onde o mundo é aniquilado, onde o tempo é desprovido de velocidade, onde o dia e a noite se sucedem sendo um qualquer dia e uma qualquer noite, com o mineral presente, de formas efémeras, a poeira, a pedra, os rochedos, a areia.... E a toda a volta, o espaço e o céu... Ele é o lugar de nenhures onde por vezes uma palavra pode apoderar-se do seu infinito."

Yves Simon, O Viajante Magnífico

As casas desabitadas existem. Não são ausência. São casas.

:)

Haddock disse...

exageras...
mas o da montra está perto da excelência.